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Arte de Weberson Santiago |
Todos os dias acordo às cinco e meia da manhã e sigo o mesmo ritual. Vou
até a cozinha e bebo dois copos de água. Vou ao banheiro, pingo o colírio –
tenho glaucoma precoce e a cada 12 horas, pelo resto de minha vida, devo usar
uma gota que controla a pressão dos meus olhos, garantindo que continue com o
mesmo campo de visão. Volto à cozinha, preparo uma xícara de leite com café.
Pronto, depois disso meu dia verdadeiramente começou.
Seguir os mesmos passos diariamente me dá segurança, permite que eu
pense menos do que se eu trocasse a ordem dos afazeres e tivesse de fazer todas
as mesmas tarefas, sem exceção. Às vezes eu até acordo mais cedo para poder
fazer tudo com mais calma. Acredito que se um dia começar corrido e atropelado,
tudo o que vem a seguir será bagunçado e confuso.
Assumo que de vez em quando adio o despertador e admito também que já
faltei da atividade física – que faço às seis horas por três vezes na semana –
por preguiça ou cansaço. Mas continuo em busca da regularidade da rotina.
Tem dias em que trabalho em três lugares diferentes – de manhã, à tarde
e à noite. Quando os dois períodos diurnos me exigem demais, saio do expediente
com uma sensação estranha. Isso acontece quando passo o dia esbarrando em
empecilhos para terminar uma tarefa e a minha variabilidade comportamental não
atinge o resultado almejado, ou quando me deparo com problemas graves para resolver
e o enfrentamento da resolução me exige muito. Identifico em mim sentimentos esquisitos
ao entardecer, quando termina a jornada do dia: parece que meus pensamentos
estão emaranhados. É uma sensação desagradável de bagunça, de ter diante de si
um quebra-cabeça todo embaralhado. Ao invés de tentar decifrar a confusão, eu
apenas sinto. Não faço esforço nenhum para me livrar, apenas deixo que a
sensação dure o quanto tiver de durar e que ela passe. Tomo um banho e encaro o
terceiro turno com hombridade.
É porque eu preciso do trabalho e é porque as pessoas com quem trabalho
precisam de mim que mantenho a repetição. E, enquanto estou vivendo a repetição,
não deixo de comemorar pequenas tarefas que consegui dar conta. Valorizo minha
própria capacidade quando faço um bom atendimento a um cliente. A produtividade
me produz uma sensação prazerosa. Com a maturidade, aprendi a não lamentar o
surgimento de uma dificuldade, mas aceitá-la e fazer o melhor que posso para
lidar com ela.
Como muitas pessoas, também sinto um leve incômodo quando o domingo vai
chegando ao fim, mas o verdadeiro incômodo viria mesmo com uma segunda
sem nenhum compromisso. No domingo à noite, ao invés de maldizer a segunda,
estou organizando tudo o que posso para vencer mais uma semana.
A repetição que me cansa, me consome e às vezes me esgota é a mesma
repetição que me salva, que me inspira e que dá sentido aos meus dias, que dá
sentido à minha vida.
| O
tempo passa e a vida voa enquanto tudo se repete. Mas ao invés de só repetir,
não faz mais sentido buscar fazer melhor?
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 31/10/2015, Edição Nº 1379.
