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Arte de Augusto Amato Neto |
Em nome de uma vida mais saudável, resolvemos manter um estoque de
frutas e verduras em nossa cozinha. A ideia era aumentar o consumo de alimentos
naturais, o que diminuiria nossa ingestão de alimentos menos saudáveis.
Me lembrei da casa da minha avó, lugar onde comi as melhores frutas da
minha vida. Sempre que ela servia uma fruta, ela estava no ponto, gelada e
doce. A fruteira sempre repleta de frutas em espera do ponto ideal. Se eu
queria o mesmo, conclui que deveria deixar que elas chegassem ao ponto.
Também deveria saber escolher as frutas. E segredos como puxar a folha
da coroa do abacaxi e ver se ela se solta com facilidade foi coisa que eu
aprendi com a minha avó.
O primeiro abacaxi que comprei ficou por três dias na fruteira. Ele
exalava um perfume doce quando conclui que era a hora de descascá-lo e cortá-lo.
Quando dei os primeiros golpes de faca descobri que um quarto do abacaxi estava
estragado. Não deu pra salvar nada, acabou inteiro no lixo.
Não quis me dar por vencido. O segundo abacaxi comprei com orientação da
moça que toma conta do hortifrúti. Pedi que ela me indicasse um abacaxi que
estivesse pronto para cortar. Ela utilizou o truque de puxar uma folha da coroa
e foi comparando um com o outro.
Cheguei em casa e comecei a descascar. Se você passa a faca muito
superficialmente, o abacaxi fica cheio de pontas de cor marrom na lateral. Se
você retira uma fatia muito grossa da casca, desperdiça uma parte da polpa. E
enquanto você descasca, vai escorrendo uma calda por toda a pia. Descobri que
tem que ser descascado em uma vasilha depois de fazer aquela lambança.
Achei que seria fácil, mas descobri o quão difícil é descascar um
abacaxi. Não estou falando de resolver os problemas da vida, mas de conseguir aproveitar
o melhor da fruta.
O segundo abacaxi eu consegui comer com a Natália e a Anelise. Depois
que cortei, deixei gelar. Lá em casa, deixamos a canela num saleiro. Isto eu
também aprendi com a minha avó. Eu salpico a canela no abacaxi e mando ver.
Fica bom demais.
O terceiro abacaxi, a Natália descascou. Ela se saiu bem, estamos
começando a aprender os segredos das frutas. Mas dois dias depois de cortado,
ele já começou a escurecer na geladeira. Acabamos desperdiçando uma parte do
abacaxi. Deveríamos tê-lo comido mais depressa.
É preciso aprender o tempo da fruta. Conhecer seus detalhes, seus
sinais. É preciso dominar a prática. Não desistir facilmente na primeira vez
que deu errado. Esse segredo de puxar as folhas nem sempre dá certo. Às vezes
ela está dura pra sair mas o abacaxi está doce. Passei a analisar outros
fatores: a coloração e o cheiro. Se dois dos três fatores estão indicando que
ele está bom, abro o abacaxi. Por exemplo: se a folha se solta com facilidade e
a cor está amarelada, pode abrir; ou se o cheiro está doce e a cor amarelada,
está no ponto.
Escolher abacaxi é uma ciência. Descascar abacaxi é uma arte. Saudade do
tempo em que eu encontrava o abacaxi descascado, fatiado e gelado na mesa.
Amadurecer é aprender a descascar seus próprios abacaxis.
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A complexidade também está presente nas coisas
simples.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do caderno Dois, 30/05/2015, Edição Nº 1357.

