![]() |
Arte de Weberson Santiago |
Admiro a pessoa que foi capaz de criar e é capaz de cultivar um belo
jardim.
A primeira casa que eu aluguei na vida tinha um canteiro que percorria a
fachada da casa e terminava na rampa da garagem. Naquele retângulo havia uma
árvore conhecida como murta. Bem no ponto onde o tronco se dividia em galhos
havia uma farta ramagem de orquídeas. Não conheci o casal de velhos que morou
ali, mas sentia uma profunda admiração por quem plantou aquelas orquídeas. Ela
havia se adaptado à sombra farta da murta e ao calor que fazia ali durante as
tardes de verão. A senhora – imagino eu que tenha sido ela – teve a
sensibilidade de colocá-la ali, onde ela cresceu e tomou conta de todo o entorno
da árvore. O privilegiado fui eu e quem passava do lado de fora da grade
durante o mês de setembro, quando as flores brancas de miolo arroxeado surgiam.
Admiro os cultivadores de plantas da mesma forma que eu admiro pessoas
que fizeram uma bela carreira. Que saíram do nada e chegaram muito longe: que
plantaram a semente e não deixaram de regar por um dia sequer.
Admiro o jardineiro tanto quanto aquele que sempre trabalhou com a mesma
coisa e no mesmo lugar, mas que nunca deixou o sorriso de lado. Este eu admiro
por não se importar em ser apenas uma planta em meio a um jardim botânico
imenso.
Admiro os cultivadores de plantas como admiro aqueles que construíram
uma bela família. Unida nos bons e nos maus momentos, nas estações abundantes e
nas escassas. Singular em sua formação, como uma árvore que não se importa que
o fruto caia longe do pé. Espontânea em seu jeito de ser como um punhado de
árvores cujos galhos crescem desordenadamente.
Admiro os escultores de jardim como admiro os autores de um belo texto.
Escritores de seja-qual-for-o-gênero que se dedicam à arte de fazer florescer a
consciência com as raízes fincadas na língua. Por se debruçar sobre uma folha
em branco, produto de uma árvore morta, e transformar suas ideias em palavras
que incentivam alguém a plantar uma muda.
Admiro os jardineiros por serem frios na hora de fazer uma poda drástica
e, ao mesmo tempo, sensíveis quando respeitam a vontade da planta e a trocam de
lugar para que ela viva melhor.
Admiro os hortelões por não esmorecerem diante da dependência da rega.
Por não usar os trancos da vida como desculpas para deixar que a planta morra
seca. Por manter o ritual de benzer com água independentemente do seu próprio
estado emocional.
Admiro os jardineiros porque são eles que dão o “minha casa, minha vida”
aos insetos, pássaros e outros animais. Porque são eles que dão o “bolsa-família”
para as abelhas e formigas.
Admiro o plantador porque ele não hesita em presentear um interessado
com uma muda. E isto faz dele um multiplicador de vidas.
Admiro o cultivador de plantas porque ele aprende a lidar com o
nascimento e com a morte e apreende, na relação com a planta, que a vida não
tem fim.
| Admiro o jardineiro porque ele escolhe sujar a sua mão com a terra
ao invés de sujá-la com o sangue ou com o dinheiro sujo.
|