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Arte de Weberson Santiago |
Augusto-Magro,
Quem escreveu esta carta e escondeu para que você a achasse é o
Augusto-Gordo com 13 anos de idade. Escrevo pra te contar que estou cansado de
ser gordo. Já apelei para todos os médicos e nutricionistas da cidade e da
região, e sempre é aquela coisa de emagrecer durante um período e engordar tudo
e mais um pouco depois. Desde criança com este excesso de peso. E é desde
criança que as piadas e brincadeiras me enchem o saco. Outro dia os colegas da
sala pularam todos juntos quando eu sentei, igual acontece na escola do Chaves
quando o Nhonho se senta. As risadas em seguida – inclusive a da professora –
me deixaram muito chateado. Saí da sala e fui chorar escondido atrás da árvore
do pátio da escola. Voltei quando consegui fingir que não tinha ligado. Passei
a prestar mais atenção nos defeitos dos outros depois disso. Eu posso ser
gordo, mas sou inteligente. Quem me chama de gordo também tem defeitos e se
alguém fala do meu defeito, rebato com o dele. Já tem alguns colegas que
namoram, acho que eu nunca vou conseguir beijar sendo gordo. Começou uma moda
de bailinhos na casa dos colegas. Para sair à noite, fui comprar roupa com a
mãe numa loja de roupas para gordo. Nas lojas normais não encontro nenhuma que
me caiba. Ainda bem que tem uma loja que vende roupa para gordo aqui na cidade,
mas precisava ser tudo igual roupa de velho? Todos os amigos usam roupas fosforescentes
- 90s rules man! - enquanto eu uso roupa de velho. Até tenho sido convidado
para os bailinhos, dizem que eu sou engraçado, mas tenho passado a maior parte
do tempo dançando com a vassoura. Outro dia dancei com a Maria Fernanda por
três minutos até o Luiz Eduardo roubá-la de volta. Foi tão rápido, mas mesmo
assim nem consegui dormir direito naquela noite. Como eu sei que você ficaria
magro? Você sempre quis tanto isso pra passar o resto da vida sem conseguir.
Augusto-Gordo,
Tudo o que você queria aconteceu, e o que não queria também. Você ficou
magro, mas se tornou empresário como seu pai e o seu avô. A sua obesidade foi
resolvida quando a cirurgia bariátrica chegou no Brasil. Ainda bem que alguém
inventou de amarrar o estômago e fazer uns desvios no intestino! Todos os
elogios de aparência que você não ouviu, eu ouvi durante o ano a meio que emagreci
aos poucos. Até experimentei ser pegador, mas não sirvo pra isso. Prefiro viver
com intensidade uma única relação. Ainda me dá um trabalhão permanecer no peso
ideal, não me livrei da nutricionista e a natação que você experimentou por um
mês no ano em que me escreveu e não teve disposição para continuar é a minha
grande paixão. Caio na piscina três vezes por semana e isso ajuda bastante a
enfrentar o estresse da vida de empresário e a não engordar novamente. Para se
aceitar e ajudar as pessoas a mudar você escolheu a Psicologia como profissão e
gosta muito de trabalhar com isso. A rejeição social que você passou hoje é
chamada de bullying, mas ainda é um desafio acabar com isso. Não só para com os
gordos, mas para todas as diferenças que existem na sociedade. Todo mundo acha
que aquilo que é ou aquilo que tem é melhor do que o dos outros. Os colegas que
lhe tiravam sarro hoje fazem psicoterapia ou usam antidepressivos. Eles lhe
ensinaram a respeitar todas as pessoas e as suas singularidades, simplesmente
para evitar que elas tenham sentimentos como os que você teve. Aquelas mágoas e
a raiva que você foi acumulando nas situações que te machucaram foram sendo
resolvidas em quase doze anos de psicoterapias. Hoje você está casado com a
Natália, tem uma filha de coração adorável e está muito feliz com a casa nova.
A obesidade ficou no passado e talvez seja por isso que eu tenha orgulho dela
ter feito parte da nossa história de vida, pois foi com ela que descobrimos a
superação. Como isso foi resolvido, você arrumou uma série de ocupações e
preocupações para se manter ocupado.
| Trocar de problemas é uma forma de evoluir.
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