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Arte de Augusto Amato Neto |
A Alface Lisa está deprimida. Sua autoestima está mais baixa que pluviômetro na seca.
Perde-se
em seu próprio pensamento lembrando-se de como eram as coisas há um século. A
nostalgia de um passado em que ela era o único tipo de alface servida nas mesas
brasileiras.
Durante
os seus primeiros cinquenta anos reinou absoluta. Não sabia o que era a
concorrência. Dividia o espaço nos canteiros com a acelga e a escarola, mas era
a única que podia ser comida crua. Eleita a exclusividade em leveza e
refrescância na salada servida nos trópicos.
Seu
pesadelo começou na meia idade, quando chegou a Alface Crespa. Uma alface com
estilo de cabelo de negão. Foi difícil aceitar o black power da hortense
vizinha. A Alface Lisa não se conformava com o estilo crespo da prima distante.
Era a novidade que toda dona de casa procurava para variar a entrada.
O
incômodo nunca passou, mas o desespero veio depois da chegada da Alface
Americana. Não teria como competir com a crocância da gringa. Nunca poderia
fazer parte de uma Salada Ceasar, combinando com queijo, frango e molho da
mesma forma que a Americana.
A Alface
Lisa desejava ardentemente que o tempo voltasse. Queria que o Conga e o Bamba
fossem os únicos tênis a serem vendidos nas lojas. Maldita globalização,
pensava ela.
Tinha
saudade de quando decorava o frango assado na prenda da quermesse. Impiedosa
essa tal industrialização, comentava.
A
desistência em forma de depressão tomou conta quando tomou conhecimento da
Alface Romana, da Alface Mimosa e daquela Alface Roxa, que a Lisa apelidou de “tingida”.
Não suportava cada vez que um consumidor analisava as variedades e escolhia
outro tipo.
Sonhava
com o dia em que alguma pesquisa científica descobrisse que todo tipo de
Alface, com exceção da Lisa, fariam mal como a gordura trans. Assim,
reconquistaria o lugar de outrora nos carrinhos de supermercado.
Para
evitar chegar ao fundo do poço, pesou em fazer uma lipo para eliminar a
flacidez. Doeu constatar que nem isso poderia, já que Alface não tem gordura.
Pensou com uma amiga Lisa na ideia de fazer botox, para ver se ficava parecida
com a americana. A amiga fez primeiro e ficou parecendo planta artificial.
Achavam que ela era de plástico e também passavam reto.
Amargurada,
a Alface Lisa pensou em suicídio. Iria se atirar ao sol do meio dia e murchar
até morrer. Ficaria mais mole do que já é até secar. Quem sabe o sofrimento terminasse.
Faltou-lhe coragem.
Até que
um dia, algum consumidor de gosto tradicional escolheu uma Alface Lisa e um pé
de Almeirão e os colocou lado a lado no carrinho. Então, a Lisa descobriu que o
Almeirão sentia a mesma coisa que ela em relação à Couve e à Escarola.
O
sentimento de rejeição uniu a Alface Lisa ao Almeirão. Tendo um ao outro e
dividindo os sentimentos, passaram a sofrer menos com a escolha do consumidor e
a se comparar menos com as outras verduras.
Tranquilizador
mesmo é descobrir que existe alguém que passa pela mesma coisa que a gente.
| Se você descobrisse que os vegetais tem sentimento, continuaria a
comê-los?
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