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Arte de Weberson Santiago |
Outubro de 1955. A família acompanhava Bernardo Agnelli em
uma viagem de trabalho pelo interior do Estado de São Paulo. Passavam por Santo
André para uma visita ao compadre Anselmo e a comadre Bibiana. Após o amoço,
saíram do restaurante caminhando quando passaram diante de uma grande Relojoaria,
localizada na Rua Barão de Rio Branco, ponto forte do comércio local.
Vicenzo, então com sete anos, apontou para o interior da
loja, chamando a atenção de sua mãe, Giuditte. “Olha mãe, o passarinho que fala
a hora!”, disse ele. A parede repleta de Cucos era fascinante. Os entalhes de
madeira, esculpidas à mão, em diversos tamanhos e formas arrebatou a todos.
Vecenzo fez com que entrassem na loja.
Bernardo pôs-se a explicar: “É um cuco, bambino! Um pássaro chamado
Cuco Canoro, que canta em duas notas que
soam como ‘Cu-co!’ Ele avisa quando as horas se completam. Essa raça não sabe
fazer ninho, Vicenzo, por isso ocupa o ninho de outros pássaros ou escolhe
morar no relógio. Nas redondezas da casa do seu avô Luigi, na Itália, haviam
muitos Cucos. Eles apareciam de março a junho e depois migravam para procriar”.
Mariana, a caçula de três anos, pediu para subir no colo do pai para ver de
perto. Giuditte ficou encantada.
Bernardo precisava continuar a viagem de trabalho e todos
saíram em direção à casa do compadre para a despedida. No caminho, quando já
estavam acomodados na locomotiva maria-fumaça, Bernardo pensava na imagem de alegria
de sua família diante dos relógios.
A viagem terminou, o tempo passou e a véspera de Natal
chegou. Bernardo e sua família sempre ceavam na casa do seu pai. O avô Luigi começava
a preparar os mantimentos para o Natal no final de novembro. Pegava o trem até
a cidade vizinha para encher os balaios da dispensa com as melhores frutas.
Queria fartura para as festas e não economizava na comida. Respeitava a
tradição italiana. Na véspera, comia-se peixe. Tinha Bacalhau à Escabeche,
Dourada assada, tudo regado a azeite importado de perfume marcante.
No dia 25, o almoço costumava se emendar ao jantar e ninguém
queria sair da mesa. A avó Nena fazia a comida. Carne de porco, frango assado. O
cabrito cozido em molho vermelho com azeitonas pretas ficava apurando por horas
a fio. Tinha pão de tudo que era tipo para passar no molho. Castanhas e nozes,
frutas secas. Tudo acompanhado de um bom vinho. Giuditte preparava a sobremesa,
sua especialidade era a Caçarola. A falação típica de uma reunião de família
italiana. As risadas das histórias contadas pelos tios. Eram momentos felizes.
A ceia começava cedo e ainda faltava meia hora para a meia
noite quando o jantar acabou. Bernardo sugeriu à sua família que fossem dar uma
volta na praça quando deixaram a casa do vô Luigi. “Vamos fazer a digestão”,
sugeriu o pai. E depois de uma rodadela calculada partiram em direção a casa da
família.
Quando colocou a chave na fechadura e girou duas vezes a
tranca Vicenzo, Marina e Giuditte ouviram um barulho: “Cu-co!”, “Cu-co!”,
“Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”, “Cu-co!”,
“Cu-co!”, “Cu-co!”. Assim que chegou da viagem de Santo André, Bernardo foi à
central telefônica e ligou para o Padrinho Anselmo. Pediu que comprasse o Cuco
e o remetesse pela Linha Mogiana. Na véspera de Natal, combinou com o Argemiro
que pendurasse o Cuco e acertasse a hora enquanto estivessem na casa do Vô
Luigi. Queria fazer uma surpresa. Só que precisaria chegar em casa à meia noite
em ponto.
E na décima segunda badalada estavam todos à frente do Cuco,
alegres e surpresos, contemplando o novo morador. Bernardo havia arrancado
sorrisos de todos que, encantados com a surpresa, se colocaram a sua volta, quando
Vicenzo perguntou:
— Papá, em junho ele vai embora pra procriar?
— Não, Vicenzo, ele ficará para nos avisar cada hora que
passar.
O Natal é a oportunidade de trazer o encantamento para dentro
de casa. É renovar a expectativa de que o encantamento dure o ano todo, até o
próximo Natal. E ainda que não dure, que ao menos permaneça a esperança de que algo
melhor virá. E o melhor não vem embrulhado para presente, no saco vermelho
carregado pelo bom velhinho, apenas uma vez ao ano. O melhor vem entregue a
cada dia, pelas mãos de quem amamos.
O Natal de 2012 será o primeiro em que a Giulia, neta de
Vicenzo, ouvirá o Cuco cantar.
| Pra você que toma este cafezinho comigo há sessenta edições,
desejo que o seu Natal seja um momento de paz!
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 22/12/2012, Edição Nº 1231.
