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Arte de Weberson Santiago |
Mudança de moradia, seja lá por qual motivo, é um longo
caminho. De tão laborioso, o percurso da mudança é um caminhão. Pode ser de
cidade, de um bairro para o outro, de um andar do prédio para três andares
abaixo. Nem se aliando à força da gravidade a mudança é capaz de ficar leve.
A mais modesta pode ser chamada de mudança universitária. Uma
cama, um guarda-roupa ou cômoda, uma escrivaninha. Se tem geladeira, não tem
fogão. Se tem microondas, não tem máquina de lavar. A de maior proporção é a
mudança de uma família. Caminhão baú parece pequeno.
Quem já teve de encaixotar a vida, rapidamente me compreende.
Desmontar uma casa e encaixar. Descobrir todos os objetos que foram se
acumulando e que nunca terão uma utilidade. A loucura é encaixotar tudo para
desencaixotar em seguida.
Meu desapego anda precisando de uma academia. O meu apego
está precisando fazer um regime. Não consegui aproveitar a mudança para jogar
fora o óculos escuro da época da faculdade. Riscado e com uma das perna presa
com fio de naylon. Os riscos ficam bem no meio da lente, passo a enxergar como
idoso quando ponho estes óculos, porém me sinto dez anos mais jovem, exatamente
na época que o usava. Achei um canto numa caixa para não jogar fora. Agora
procuro um fundo de gaveta na nova casa pra guardar as lentes do passado.
Queria ser capaz de fazer o que um amigo de um amigo meu fez.
Morando em outro país há vários anos, quando resolveu voltar ao Brasil vendeu
todos os seus bens. Manteve apenas algumas trocas de roupa. Trouxe de volta
apenas a experiência.
Há alguns dias, Letícia, minha secretária, perguntou se eu
conhecia algum exercício para a memória. Recomendei palavra-cruzada ou sudoku,
mas pedi que ela observasse o sono, o estresse e o cansaço para avaliar a dificuldade
em se lembrar de algumas coisas.
Se a Letícia me perguntasse isso hoje, responderia que o
melhor exercício para a memória é se mudar de casa. Tudo bem que se você já não
está dando conta do bombardeio de informações, a mudança só vai bagunçar mais a
sua vida. Mas é justamente o esforço para se organizar no novo lugar o fabuloso
exercício para a memória.
Então você vai descobrir o quanto seu cérebro se acomoda nos
esquemas de sempre, como se ligasse o piloto automático para cumprir a rotina.
Depois de um longo tempo no mesmo lugar, por economia de energia, pouco precisamos
pensar para executar o ritual matinal, por exemplo. É possível que você se
sinta capaz de fazer a sequência de tarefas de olhos vendados.
Após a mudança é preciso se localizar no espaço novo. Nos
primeiros dias, fiquei como uma múmia perambulando
pela casa em busca das coisas de sempre. Uma árdua empreitada, que depois de
muito trabalho de organização permite atingir a mesma acomodação de sempre.
E tudo fica na mesma? Claro que não, a mudança sempre
estimula a criatividade. Há três anos, quando terminei o mestrado, comprei um
painel para pintar um quadro, achando que o término da pós-graduação garantiria
tempo de sobra. A ilusão fez com que ele ficasse guardado esses anos todos na antiga
casa. Agora ele já não é mais branco, ganhou cores com a nova casa.
Cada casa que a gente mora tem um tempo. Cada lugar que a
gente vive tem um sentido na vida. Não que a vida em uma única casa não tenha
sentido. É que, de repente, uma casa não tem mais sentido. A gente se cansa da
rua, de passar sempre no mesmo lugar. É quando a necessidade de mudar ganha
espaço.
| A mudança é o caminho ou o caminho é a mudança?
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, capa do Caderno Dois, 24/11/2012, Edição Nº 1227.
