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Arte de Weberson Santiago |
Basta ficar doente. Não é preciso agendar um atendimento
médico, nem chegar no consultório para descobrir o que lhe aguarda. Andei
protelando algumas consultas de rotina e exames periódicos para fugir da
realidade.
Não era medo do resultado da consulta. Não temia o pedido de um
exame invasivo. Não desviava do encontro com o médico ou do receituário com um
remédio novo e caro. O que me assusta não é o diagnóstico, é a sala de espera.
Quem já frequentou consultórios médicos sabe do que estou
falando. A aglomeração é regra. As interações são exceções para uma boa saúde.
A consulta começa com a secretária. Para agendar um horário,
ela tem que listar os sintomas para ver em qual mês ela fará um encaixe.
Deve-se convencer a moça da doença, expor um bom motivo além de uma dorzinha. Não
serve buscar uma segunda opinião, pra isso servem os melhores amigos ou os
vizinhos. É uma escolha. Deixar a vergonha de lado e expor a fragilidade. Se
preservar a intimidade não será atendido.
Dia e horário marcados, apresente-se no consultório. O
problema de saúde dissolve qualquer timidez. Busca-se uma cumplicidade na
doença. É preciso dividir os sintomas, diluir a preocupação com a sua saúde ao
compartilhar a doença com o outro.
O problema é que não termina no relato dos sintomas, quem ouve
a queixa quer receitar uma solução. Deu certo com ela, há de funcionar com
você. Vale de tudo: remédios controlados, receitas caseiras, tratamento
alternativo, oração, patuá e por aí vai. Às vezes, o paciente entra na sala do
médico só pra não ficar chato.
Foi atendido enquanto esperava, já lhe
prescreveram o tratamento e receitaram o medicamento.
A sala de espera do ortopedista é a minha preferida. Gosto de
acompanhar a disputa para ver quem teve mais problemas de articulação. É
cirurgia de ombro pra cá, rompimento do ligamento do joelho pra lá. Ganha a
competição quem tiver operado mais, com direito a pontos extras no jogo por
tempo de recuperação.
Toda esse esbanjamento não se encontra na sala de espera do
ginecologista e do urologista. Nestas especialidades clínicas, reina o clima de
velório. O silêncio denuncia a tensão da espera. O retraimento disfarça o medo do que lhe espera
lá dentro.
A mulher irá fazer posição de parto sem direito a nenhuma
pontinha de prazer, muito pelo contrário, será vasculhada como se fosse uma gruta
de mineração.
O homem terá de fazer aquilo que ele passou a vida inteira
ouvindo que não deveria fazer. Não sabe o que é pior. Nunca será capaz de
escolher entre mostrar o órgão genital ao médico ou levar a temida dedada. Não
é uma questão de não contar para ninguém. É uma crise consigo mesmo, um medo da
masculinidade ficar na consulta e não cruzar a sala de espera na saída.
A sala de espera do endocrinologista é o confessionário das
farras alimentares. A descrição dos excessos cabem na sala de espera, mas serão
todos omitidos na consulta. Entre o pecado da gula e o da mentira, o obeso não
consegue se livrar do primeiro e acaba tendo que recorrer ao segundo. Desconfie
da gentileza de trocas de revista entre os pacientes. Tem anotado na contracapa
a indicação de um inibidor de apetite.
Todo consultório de pediatra deveria ter uma daquelas babás
de reality show. Não falo somente das
mimadas, toda criança doente fica manhosa. Não adianta oferecer um brinquedo,
uma balinha ou pirulito. Contratar um palhaço será em vão. O malabarismo ficará
por conta dos pais. Criança doente tem urgência de pronto socorro.
A dor é como um talento que se recusa em ficar no anonimato.
Quer ser reconhecida por todos em cima do palco. Não aceita contracenar com
outras dores, precisa do holofote só sobre ela. A dor é uma atriz que só é
capaz de encenar monólogos. O texto da dor é um drama, não cabe como assunto de
stand up comedy. A sala de espera
sufoca a voz da dor, amordaça sua importância, ignora seus sinais. O filme da dor
é um filme de ação. A dor não aceita suspense, por isso não sabe esperar.
| Difícil não é ficar doente, é
aguentar a fila dos atendimentos. Abrir o resultado do exame fica sem graça
perto do teste de paciência pro impaciente.
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Publicado no Jornal Democrata, coluna Crônicas de Padaria, Capa do Caderno Dois, 18/08/2012, Edição Nº 1213.
