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Arte de Weberson Santiago |
Mania que merece respeito é aquela que carregamos desde a
infância. Cresce com a gente numa lealdade de animal de estimação. A mania exige
o cuidado de ser alimentada e acariciada todos os dias, mas oferece algumas
recompensas. Caso contrário, seria abandonada na sarjeta.
Durante sua meninice, minha amiga Maria Antônia foi vítima da
mania dos outros no parque de diversões. Ela não imaginava que a cama elástica
era um terreno fértil para a cleptomania. Foi depois de pular incansavelmente,
na saída do brinquedo, que ela não encontrou seu par de sapatos.
A estante que abriga tênis, sandálias e chinelos é um convite
para exercitar a compulsão. Se um dos pais do moleque tem mania de levar
algumas pertences dos outros pra casa, ele não saberá segurar seu impulso quando
está esperando no pula-pula. De quebra, a criança vai aprender que não precisa
recorrer a loja para ganhar um sapato novo. Pagar pra quê? A Tonha que o diga, foi um transtorno ir
embora pra casa descalça. A mania dela, que desde menina era combinar as cores
da roupa com o sapato, teve de se acostumar com a falta das solas naquele dia.
A Anelise tem a mania de ir ao banheiro em qualquer lugar que
vai. Na igreja, no supermercado, em toda visita que fazemos. Basta nos
acomodarmos na cadeira do restaurante e ela pede. “Mãe, quero fazer xixi!”. A
Natália tem que levantar, acompanhar o passo a passo até voltar com ela. Não
existe lugar que isso não aconteça. O pior é quando ela está só comigo e não
tem banheiro infantil no lugar. Lá vou eu forrar o assento.
Com essa mania, a Anelise parece um cachorro dando uma volta
pelo bairro e batizando cada poste. Ao invés de demarcar seu território, a Ane
precisa visitar o banheiro para se sentir segura. Além de dar uma voltinha no
meio da conversa chata dos adultos, a visita ao banheiro é a maneira que ela
encontrou de conhecer o dono do lugar.
É quase um diagnóstico, uma pesquisa de comportamento. Quando
a Ane visita o banheiro, descobre os gostos do dono, seus hábitos de higiene.
Não vai com a cara do proprietário se percebe o fim do papel higiênico
disponível. Quando encontra sabonete líquido para levar as mãos, vê um amigo em
potencial. É um teste de confiança, a Anelise só consegue confiar em um adulto
depois de conhecer seu banheiro. Tendo aprovado, já existe motivo para a
intimidade. A camaradagem fica evidente quando ela deixa de avisar a Natália e
pede para usar a latrina diretamente para o dono.
A Ane tem uma amiga que tem uma mania parecida. A Luana, 4
anos, antes de confiar em um adulto, precisa calçar o seu sapato. Não importa
que o sapato fique enorme, ou que ela tenha dificuldade de se equilibrar em
cima do salto. Ela precisa experimentar o ponto de vista dos pés para ver se o
marmanjo passa no crivo.
O seu pai acha esse costume um problema. Sapato é uma cidade
de bactérias, ácaros e fungos. Mas foi assim que ela avaliou cada uma de suas
professoras no início de ano letivo, que ela aprovou os namorados das tias, que
ela parou de chorar na consulta do pediatra.
Nós respeitamos a mania da Anelise até o ponto em que ela vai
ao banheiro e não faz xixi nenhum, aí chamamos a atenção sobre esse passeio. De
toda maneira, lidamos com esses pedidos com certa naturalidade. Não existe como
medir se há vontade de verdade.
Por conta dessa liberdade na visita aos banheiros, dia desses
estávamos numa festa de aniversário de uma tia com o meu avô Tino, de 92 anos,
e ela estava sentada no colo dele. De repente soltou:
— Vô Tino, quero fazer cocô!
A Natália e eu olhamos para os lados, agradecemos
em silêncio que o restante da mesa de familiares não tinha ouvido o pedido,
enquanto meu avô dava risada. A Natália levantou e levou ela ao banheiro,
enquanto eu fiquei na mesa, torcendo para a mania não crescer e ficar só no
xixi.
| As manias nascem na infância e são carregadas na lancheira, passam a adolescência na
mochila, ocupam os bolsos na vida adulta e se tornam amuletos na velhice.
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